quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Lindeza


Outro dia Anna escutou a música que não poderia escutar em um café qualquer em Copacabana. Entrou correndo e la´estava Caetano Veloso cantando e tocando violão, estava no verso “uma alegria pra sempre”. Foi o bastante para deixá-la sem norte. Todos os momentos, todas as brigas, pareceram tão insignifantes, foram todas provas de um insensato e imaturo amor. Que ali, naquele momento, olhando para o nada, em frente a garçonete, se perguntava aonde andava. O dela e o dele.
[...]
As vezes escuta a música, repetidas vezes, se fazendo sempre as mesmas perguntas. Por onde andaria os amores ditos tão grandes e tão esternos. Se ele de fato existiu um dia. Ela na gostaria de perguntar o que de fato aonde os dois se perderam um do outro. Mas para isso teria que ter mais do que coragem. Ela apenas não seria o bastante. Na verdade não sabia o que mais era necessário.
[...]
Você deseja alguma coisa? Pergunta a garçonete tirando-a do transe.
Hã? Ah! Sim, claro. Uma fatia de bolo de chocolate e uma Coca Zero.
Prontinho.
Obrigada.
O chão ainda não voltara para debaixo dos seus pés. A música já tinha acabado já alguns minutos. Não adianta, existem momentos em que as coisas se tornam mais fáceis e eficientes se as respostas não forem dadas.
Anna deu uma garfada no bolo e um gole na Coca Zero. Engoliu, finalmente.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Pra sempre não existe.

"Eu vi quando você me viu,
seus olhos pousaram nos meus num arrepio sutil.
Eu vi,
pois é, eu reparei!
Você me tirou pra dançar
sem nunca sair do lugar
Sem botar os pés no chão,
sem música pra acompanhar.

Foi só por um segundo, todo o tempo do mundo,
e o mundo todo se perdeu ...

Eu vi quando você me viu,
seus olhos buscaram nos meus
o mesmo pecado febril.
Eu vi, pois é, eu reparei,
você me tirou todo o ar pra que eu pudesse respirar.
Eu sei que ninguém percebeu, foi só você e eu.

Foi só por um segundo, todo o tempo do mundo,
e o mundo todo se perdeu...
Foi só por um segundo, todo o tempo do mundo,
e o mundo todo se perdeu ...

Ficou só você e eu."

A música a balançava devagar. Olhos fechados. Cabeça pendida para trás. Taça de vinho na mão direita. Pés descalços. Dançava de um lado para o outro na sala. Rindo do presente, gargalhando do passado. Passando a mão pelos cabelos, agora três anos mais longos. Colocando a mão na cintura, três anos mais marcada.
Aqueles olhos azuis. Como desejou por tanto tempo reencontrá-los. Todo o passado parecia outra vida. O mundo tinha mudado tanto... crise mundial, vestibular, mudança de casa, volta para o casamento, nova separação... Finalmente ali, ambos preparados para terminarem o que começaram.

- Por que não me beija logo? Disse Anna sorrindo levemente.
- Não sei se devo.
- Se não deve, por que está aqui então?
- Para te ver. Acho que não podemos continuar.

E foi assim que os papéis se inverteram. Anna era a mulher segura e decidida, ele o homem trêmulo. De pé mesmo deu-lhe um beijo com gosto de vinho tinto seco e desejo. Talvez até tivesse saudade naquele beijo, mas o desejo era maior.Como o previsto o homem com cara de mau e olhos azuis se derreteu e sucumbiu aos olhos amendoados de cílios longos.
Depois de longo silêncio ele responde a pergunta que ela não ousava se fazer.

- Eu não podia ter feito isso antes. Você é especial de mais para mim, não poderia ser mais uma. Esse é o nosso momento, essa é a nossa hora. Teríamos estragado tudo.
- Não disse nada.
- Mas pensou.
- Poderia ter sido tudo tão diferente.
- Algumas histórias não precisam se repetir. Agora somos dois adultos.
- Está falando da mãe do Henrique?
- É. Com você eu quero ser feliz. Não vou errar. Para isso não podemos ficar perto.

No dia seguinte a despedida. No abraço apertado, tudo o que não deu tempo de falar.

- Se cuida. Depois do carnaval eu volto.
- Você também. O natal é depois do carnaval, aparece antes.
- Está bem.

Se abriu a porta, se abriu o portão – tudo no mais puro silêncio. Ele indo pelo corredor pensando não se sabe pensando em que. Talvez na mesma coisa que ela. Que só dariam certo no tempo daquela música, de tempos em tempos, sem nenhum para sempre.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009



“Que só eu que podia, dentro da tua orelha fria, dizer segredos de liquidificador” . Com a xícara de chocolate quente Anna pensava nas vezes em que disse seus barulhentos e desconcertantes segredos.

Aquele dia, naquela cama. Não fora ela, mas sim ele.

Eu te amo. Eu precisava dizer isso.
Assim. Calmo, baixo e sonoro. Soou como um trovão aos ouvidos da garota de mãos e pés gelados.

A música tocava e Anna só ia lembrando deles. “Eu protegi seu nome por amor” . Quantas e quantas vezes não se pronunciou na tentativa de manter segredo... em vão ambos sabiam que todos tinham certeza do que acontecia.

Nós dois sonhávamos acordados. Pensou ela. Tivemos filhos, moramos em um barco. Assim não sentíamos as dores da realidade. No mundo que se teria que enfrentar, de todas as decisões, de todas as explicações e todos os pedidos de desculpas.

Nada os resumia mais naquele momento do que aquela música. Educados agora, como se nada tivesse ocorrido meses a fio. Como se realmente a amizade tivesse sido o único sentimento que os entrelaçasse e que mágoa era algo inexistente no coração de ambos.

Tantos segredos barulhentos. Tantas juras eternas. Sonhos e sonhos foram ficando esparsos e se desmanchando até se desfazerem como espuma. “A emoção acabou, que coincidência é o amor”

Anna, Júlia e Guilherme; Anna, Júlia e Otto

Júlia se entupia de sorvete de café em uma cafeteria de Copacabana. Pensava em Carolina que odiava seu nome. Ela também odiava o seu. Era nome de quem faz assistência social. Emprego nobre, entretanto, piegas e sacal.
Pensava também em seu marido e em seu antigo namorado. Fora traída pelos dois. Ambas as amantes se chamavam Anna. Coincidência? Talvez... talvez fosse também coincidência o fato de tanto Guilherme quanto Otto terem a mesma profissão.

Júlia comia mais sorvete de café com manga.

Descobrir agora, depois de ter perdoado o marido, depois de ter relevado Guilherme e mantido a amizade – descobrir que se tratava da mesma Anna era demais para sua cabeça. Qual seria o seu problema? Qual seria o problema de Anna? Quem sabe ela fosse apaixonada por Júlia e se divertia em vê-la histérica se perguntando qual era o seu problema ou por que só olhava para as pessoas erradas. Mas poderia ser simplesmente destino. De alguma forma elas estivessem fadadas a disputar pelas mesmas coisas.

Moça! Traz mais um, por favor, agora acrescenta chantili.

O que a deixava aflita era o fato de que talvez Anna não soubesse da colisão das duas. Tinha certeza de que ela sabia que as coitadas tinham o mesmo nome. Mas afirmar o fato de saber que as coitadas eram na verdade uma só são outros quinhentos.

Moça! Olha põe castanha e cauda de chocolate.

Tomou o sorvete correndo e resolveu ir para casa antes que Anna chegasse. O que importa saber se ela é bonita, feia; magra, gorda; inteligente, burra. O fato é: seu melhor namorado e seu marido se encantaram coincidentemente pela mesma pessoa.
A única coisa que restava era descobrir o que faltava em si e sobrava nela. Teria todo o tempo mundo para descobrir.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Sentada com sua calça de malha cinza, sua camiseta branca sem maga, o cabelo um tanto quanto desarrumado e brilhando de suor por conta da musculação lá estava Anna sentada numa temakeria de bancos laranja em Copacabana. Estava em uma mesa baixa na calçada. De pernas cruzadas olhava o trio da mesa da frente: uma mulher gorda e loira irritada com alguém e falando as piores coisas possíveis desse ser humano que nem Deus sabe quem é que comia um sorvetão amarelo da sorveteria italiana; um homem que estava completamente de costas para ela concordava com tudo calado e tomava um nestea; e por último a outra mulher, um pouco mais magra, um pouco menos loira que abocanhava um koni de camarão.
Esperando seu koni de frutas percebe um homem. O homem mais bonito que já vira em sua vida. O mundo parou para observá-lo, só ele se movimentava freneticamente com uma caneta bic vermelha nas mãos. O homem branco, de cabelo graúna e extremamente comprido e camisa branca tinha o sorriso rasgado e olhos cor de mel. Estava acompanhado de dois amigos, um com cara de peruano [tinha cara de Pablo] e um outro que fumava com cara de nada. Ah! Ele tinha cara de tudo. Não se pode explicar tal visão, ele falando e anotando, sentado numa mesa atrás do trio fofoqueiro. Anna o olhava com cara de admiração, não sentia desejo, nem nada só queria guardar o êxtase de tal visão. Teve vontade de ir lá dizer o quanto seu rosto mudara sua vida, mas teve medo de parecer patética – ficou quieta.
Fez apenas o que poderia fazer: olhar. Até que ele percebeu sua simples presença e retribuiu os olhares como quem dissesse: Obrigada, entendi o que quis dizer. Mas Anna simplesmente não conseguia parar de olhá-lo e isso começou a causar um ar de riso no homem.
Coube a Anna a mudar de lugar e vê-lo de outro ângulo, não perderia a oportunidade de sugá-lo de todos os prismas possíveis. E assim o fez. Se lembrou de uma amiga, que certa vez viu uma mulher num cyber café e queria saber o nome dela. Anna também quis saber o nome dele, mas não perguntou. Essa sua amiga não descobriu, só que, ao menos, falou com a mulher.
Anna saiu andando para casa ainda extasiada pensando que sua amiga era mais corajosa que ela.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Anna abriu os olhos e se viu imersa no branco daquele quarto gélido. O ar-condicionado congelava até sua alma, mas isso não a causava incomodo. Nada a causaria incomodo. Pensava apenas que o colchão da cama era uma delícia e na preguiça de ter que levantar. Arthur ainda estava ao seu lado, dormindo. Ah! A menina não acreditava que tal fato fosse realidade. Aqueles cabelos loiros e todos os traços firmes e harmoniosos de seu rosto e corpo a menos de quinze centímetros de distância de sua mortal pessoa. O Apolo repousava ao lado de sua Dafne que nesta história também fora persuadida pelo cupido.
Parecia não acreditar que tudo aquilo era realidade, até que se ouve um bom dia com sotaque engraçado. Um sorriso largo de ambos os lados. Não se precisa falar muitas coisas nesses momentos, por mais que se queira às vezes no silêncio se tem as melhores conversas. Mas sempre há algo que precisa ser dito, por mais que a outra parte já saiba. E foi então, que depois de risinhos, “muitos beijinhos e carinhos sem ter fim” que o gigante começou a tentativa de aparar qualquer possível aresta que houvesse entre eles – com todos os defeitos de português corriqueiros a ele.
- Anna, você sebe que meu tem é curto aqui. E não vai ser todo fim de semana que vamos ficar juntos, tenho meus amigos e que sair com eles. E tenho que descansar muito, tenho que pensar no meu carreira. Carreira?! Mas não sou de muitas mulheres...
- Minha carreira.
- Minha carreira. Excelente!
- Olha só, você tem que dividir seu tempo entre sua carreira, seus amigos e eu. Mas só você vai dizer quanto tempo vai dedicar a cada um deles. Quando quiser me ver me liga. Não estou aqui para te prejudicar nem competir com ninguém e muito menos te cobrar nada...
- Obrigado por me entender. Que bom que você entende...
E assim Anna saiu do apartamento de Arthur. Ele a levou até a porta, a colocou num táxi. Ambos com um frescor diferente nos olhos. Não se precisaria falar muito mais do que foi dito, não precisariam dar muitas explicações. O não dito pode dizer muita coisa.