quarta-feira, 30 de março de 2011


A cama bagunçada não traz mais resquícios nossos. Se resume a montes de lençóis embolados, prontos para serem lavaod. Foi o que restou de nós. Os sonhos, os sorrisos, as mãos escorregadias... o tempo nos fará o vavor de aplacar. E, se não o fizer cabe a nós esse appel. Considere como nosso último ato de união: esquecer-nos juntos e mutuamente. Tudo passa, tudo deixa resquício. De lembranças temos as marcas que deixamos um no outro. Não choraremops, tão pouco riremos; assistiremos as imagens embranquecidas e esfumçadas com um estranho êxtase que sempre nos anestesiava. Seus filhos crescerão, eu terei os meus; a vida seguirá em frente e a sensação de desencontro hora será grande, hora teremos certeza que tudo foi como deveria ter sido. O resultado de nós dois são sonhos e segredos escancarados nos esaçõs públicos da cidade de modo indecifrável. Nem mesmo você ou eu conseguimos ler. Eis a bíblia do caos estampada nos impedindo o esquecimento. Até que os donos dos muros os pintem. Aí então, com os muros brancos estaremos aptos a nos permitir crer que tudo não passou de um sonho estranho que não lembramos todo e se foi realmente sonhado. E como sempre acontece com os sonohs acabam caindo no rio Lethes.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A pérola e o pescador

Foi exatamente assim que aconteceu.
Distraída, a garota fazia qualquer coisa importante no computador. Sabia que a sua frente havia um estranho conversando, entretanto, nem cogitou levantar a cabeça – decididamente não havia tempo a ser perdido. Só que todas as pessoas têm um daimón – serzinho tinhoso e birrento. Pois bem, o da garota apenas queria que ela levantasse os olhos. Para agradá-lo, o fez.
A sua frente havia um homem. A principio não achou nada, voltou os olhos para a tela. Mas o daimón se alvoroçou e ficou atraído pelo homem. Espichou o olhar algumas vezes, uma hora resolveu olhar de verdade, olhou fundo. Então o silêncio berrou. Vamos combinar, essa criatura é muito inconveniente, indiscreta. Ele berrou, se dividiu em dois, passou a morar nos olhos daquela dupla.
O grupo era maior, mas os três tinham uma ligação estranha. A garota com seus olhos grandes se divertia em sugar todas as possibilidades daquele homem. Ela não vira nada de concreto, mas sentia que a recíproca era verdadeira.
Um dia, não sei ao certo – creio que em uma terça-feira de um ano qualquer [no trabalho dessas criaturas a cronologia é um mero detalhe, moram em três séculos e passeiam por eles sem menor dificuldade]. Não se sabe também a razão pela qual o daimón do homem deu o ar de sua graça.
Em uma conversa inicialmente inofensiva [essas são as piores] foram se despindo de todos os véus necessários para uma boa convivência com o mundo.
- Eu sou muito intensa. Já fui pior, hoje sou mais polida.
- Eu também sou muito intenso, mas ainda não sei me controlar. Seu olhar é muito forte.
Nesse momento teve a certeza que o ouro já havia sido entregue ao bandido, tudo era uma questão de tempo.
À tarde foram visitados por Taunay, David e Klimt. Esse último meio perdido por aí, antes de sair disse que ela parecia com alguém que pintara e que havia fugido de uma de suas telas.
Eis que a noite chega e o filho nasce. Em meio a uma festa, nos basta cuidar com zelo. Os quadros já estão na parede. As pessoas riem, conversam... é o natural. Mas os dois as sós naquela sala se casaram, tiveram sua prole – tudo com os testemunhos de retratos do século retrasado.
Fora de lá foram escolhidos os nomes, mas o mais importante nem era isso. O Silêncio que morava semanas nos olhos de ambos resolveu avisá-los que seus respectivos daimones tinham desaparecido. O coitado foi ignorado.
Ele fitou-a e disse: Vou te pintar um dia. Você esse seu olhar forte. Ela respondeu com uma pergunta e com um pedido: Vai pintar meus olhos? Por quê? O quadro vai para a minha parede então. O homem: Porque eu gosto dos seus olhos. Eu vou querer um também.
Bom, o que interessa é que esses dois passaram toda a noite, toda a vida conversando, um dia valeu mais que anos. Só há um problema. Ignoraram o Silêncio quando este avisou que seus respectivos daimones estavam livres, vivendo a mercê de todos os tipos de pathós...

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Cartomante

Carmen entrou em seu carro totalmente atordoada, sabia que seu hábito de procurar obter previsões sobre o seu futuro lhe trariam problemas. E aquele trânsito de fim de ano na Lagoa piorava seu mau humor.

As palavras daquele homem iam e voltavam, e nos momentos de invervalo conseguia apenas se sentir traída pelo destino. Faltavam forças para chorar, queria um espelho para poder ver sua expressão de estarrecimetno, quase horror.

    • Você terminou recentemente um relacionamento? Com um homem, por conta de mulher?

    • Por que está me dizendo isso?

    • Está dando aqui... era para ele estar contigo, não com ela, por alguma razão isso não aconteceu...

    • E...?

    • Calma, deixa eu ver!

    • Uhum...

    • Feitiço!

    • Como?

    • Sim! Está aqui, ela fez feitiço. Tentou acabar com você. Te afastou dele e fechou seus caminhos amorosos.

    • Ok, muito obrigada. Quanto eu te devo?

    • Nada, moça, nada.

          Muda ela sai pálida e incrédula. Desce do prédio e entra no carro.

Jogada no sofá de casa, a quilômetros de distância daquele prédio num bairro da zona sul carioca, Carmen revirava as poucas lembranças que sobraram de Ricardo. Achou um livro que lhe dera em seu aniversário – artigos da Clarisse Linspector sobre questões femininas. Morreu de rir sozinha, odiava Clarrisse Linspector, ainda tratando de artigos femininos. Lembrou dos dias na praia com seu filho. Ela queria apenas entender onde tudo se perdera, onde aquele amor foi parar de uma hora para outra.

Depois de tanto tempo encontrou a resposta, resposta dita por um homem desconhecido. Tudo pura feitiçaria.

Era melhor cre nisso do que no fim do amor.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Arrumava a mala como um ritual de passagem, como se partisse para nunca mais voltar. Procurou seu creme de barbear preferido, olhou a validade – que estava vencida. Buscou pela sua blusa pólo cinza, e várias outras coisas, achou lembranças que estavam na bagunça do armário apertado. Ficou vulnerável, ainda mais pela época do ano... tinha o mau hábito de repassá-lo, sempre empacava em algum capítulo. Esse ano especialmente evitava fazê-lo, pois já sabia exatamente em que página ficaria dias a fio, aquela que evitava falar até mesmo com sua terapeuta: sua última namorada, Joana.

Arrumava a mala e pensava nos planos que fizeram juntos para a viagem que agora ia sozinho a trabalho. E ao tentar se achar em meio suas coisas encontrava fragmentos da mulher que amou. Fragmentos esses que mostravam o quão diversa era, característica que fazia Benício se apaixonar a cada minuto, amava todas as mulheres condensadas naquele furacão. Furacão que um dia olhou em seus olhos e colocou os pingos nos is dizendo de maneira melancólica “Desculpe, eu me enganei, eu não te amo.”. Nem ao menos disse adeus, ela nunca gostou de despedidas. Dela sobrou somente a toalha que desenrolou dos cabelos ao sair. A Benício coube apenas o silêncio, a falta de voz, a mente atordoada, a angústia de não tê-la segurado e dito todas as frases confusas que passavam por seu coração acelerado.

...

Ele se recuperou rápido, fingiu para todos que ele, homem viriu, cansou da mulher frágil e possessiva que vivia ao seu lado. Abafou toda e qualquer possibilidade de alguma outra mulher entrar em seu caminho, decidiu viver sozinho, pelo menos até aquele momento. A cada roupa posta na mala tinha o ímpeto de ligar para Joana e dizer “Estou indo a Blumenau, quer algo de lá?”, só para descobrir se ainda merecia uma resposta. Talvez não o fizesse por medo, medo de não obter resposta alguma ou pior ainda, medo de escutar“Sim quero! Traz para mim...” e simplesmente descobrir que Joana não era aquele furacão.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

...é bom acordar e ver o sol.
...melhor é conseguir sorrir de volta para ele.

Bom dia!

domingo, 31 de outubro de 2010

Domingo

Queria que o tempo passasse. Acordou com uma vontade esquisita, sensações esquizofrênicas, um misto de melancolia, tristeza, alegria – na verdade essa alegria estava mais para “um agora vai dar certo”, o que daria certo é que não se fazia idéia. Ligou o rádio e tocava Joana Francesa do Chico, exatamente no verso geme de “prazer e de pavor/ vem moleque me dizer onde está”. Adorava essa música e, no resto de sol que restava no céu, como homenagem tirou a camisola e foi nua para o chuveiro. Sua mente clamava por algo inédito, logo não poderia ficar presa entre aquelas paredes. Abriu o chuveiro, quentíssimo, outro perderia a pele, ela não, já estava acostumada. Ao sair se arrumou como fosse encontrar o homem de sua vida, aquele príncipe encantado que as mulheres estupidamente esperam deixando assim os homens reais passarem desapercebidos. Pouco se importava com eles, antes só do que mal acompanhada – sempre dizia ela como um mantra na intenção de crer na sentença que sempre proferia. De vez em quando sucumbia aos encantos de algum homem qualquer, se apaixonava, sofria, se arrependia por ter amado, se recompunha e se fortificava. Ficava mais exigente, cada vez mais solitária, ficava só esperando o momento em que o outro fosse dar o passo em falso. Limitava-se apenas a dizer: Até que esse demorou. Ou então. Esse foi bem mais rápido que eu imaginava. Sentia saudade de algo que não sabia ao certo do que era, talvez de sua ingenuidade, quem sabe de sua leveza, das estrelas que moravam em seus olhos e de vez em quando fugiam para algum quadro de Van Gogh.

Estava pronta e preparava a bolsa, escutava as músicas, gostava mais das tristes, música que fala de alegria também são bonitas, mas via mais poesia na tristeza. Era uma de suas faces clichês, não se importava. Se olhou no espelho, retocou a maquiagem, respirou fundo. Bateu a porta, deu boa noite ao porteiro e seguiu.

Andou sem rumo e parou num shopping. Se decepcionou consigo mesma. Se almejava algo novo o último lugar que poderia ir seria um amontoado de lojas, restaurantes e cinemas. De qualquer modo como reza o dito popular está no inferno abraça o diabo! Entrou e entrou na livraria, lá escolheu um livro pela fotografia da capa, sentou num puff e deu sorte – o livro era ótimo. Colocou os fones de ouvido, e começou a devorar o livro, de vez em quando seus olhos passeavam pelo chão e viam uns pés passeando sem seus donos. O livro começou de forma violenta, uma amizade despedaçada por uma traição. Eram quatro amigos, dois casais que sempre fizeram absolutamente tudo juntos. Duas médicas e dois engenheiros moravam no mesmo prédio e tiveram um casal de filhos cada. Eis que um delas descobre que sua melhor amiga, quase seu apêndice tem um caso com seu marido há tempos. A mulher traída não pestanejou, se trancou em seu quarto com sua ex-melhor amiga e sua mais nova arqui-rival e lhe dá um surra fora do normal. A traíra deixa apanhar pois sabe que é merecedora de cada golpe. O livro é de um homem, com certeza nenhuma mulher escreveria tão bem tal cena, Maria Antônia até acha que aconteceu, um homem não teria capacidade de registrar com tal magnitude e perfeição a ira feminina. Qualquer mulher traída tem vontade de fazer a mesma coisa – seja com seu parceiro, seja com a outra, neste caso ambos, afinal a traição era dupla.

O segurança chega e a cutuca: Senhora, estamos fechando, a senhora vai realizar a compra? Não, não, volto outro dia e termino.

Não quis comprar por um motivo simples. Se continuasse a ler aquilo iria bater na porta de todos e tentaria dar-lhes uma surra. E claro, não conseguiria por razões óbvias. Se contentou a sentar na Starbucks e tomar um café gelado e comer um bolo de banana. Ficou lembrando do livro que de certa forma confirmava sua teoria que mais cedo ou mais tarde todo mundo estraga tudo, inclusive ela.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Bethânia

- É melhor pararmos por aqui.

A frase foi dita por um e os olhos do outro automaticamente se encheram de lágrimas. Bethânia ainda tentou argumentar – em vão. Ele obteve como resposta um seco vou arrumar as minhas coisas. Antes de levantar ainda chorou um pouco, Carlos esticou a mão para secar-lhe as lágrimas. Ela sentiu ódio, como aqule gesto era falso. Como tudo saída no timbre suave porém másculo de sua voz..

Foi o que bastou. Levantou dali e retirou absolutamente tudo que poderia ser seu dos armários, das prateleiras, do cesto de roupa suja e do cesto de passar, bem como da corda. Jogou fora sua escova de dentes e pôs sua toalha para lavar, lembrou de retirar suas moedas do porquinho azul que ele lhe dera de presente (o porco ficou, já era dele antes de entar na casa). Pensou em solicitar as fotos do álbum em tom grave e rasgá-las ali mesmo na sua frente, entretanto repensou e achou que seria excesso de ataque mulherzinha – coisa que sempre odiou. Por engano acabou levando o carregador de celular dele. Mas a proposta desse ato foi simplesmente não dar trabalho nenhum a Carlos, ela se retiraria da vida dele sem que ele precisasse catar os resquícios pela casa e apagá-los.

- Sabe Carlos, eu sempre estou na sua situação, sempre as pessoas saem da minha casa. Mas para tudo tem uma primeira vez.

Ela não o deixa abrir a porta do elevador. Entram.

- Eu não estou te expulsando da minha casa... diz ele com um olhar que convenceria qualquer menina de vinte e poucos anos, não Bethânia. Mas ele não a conhecia para isso.

    • Eu sei. Sendo mais cínica que ele.

No carro um silêncio de morte. A garota tentou fazer com que o homem falasse, mais uma vez em vão, então ela pediu para que ligasse o rádio. Assim foi feito. Horário eleitoral. Que droga!

Pararam num estacionamento perto de sua casa e começaram a retirar suas coisas de dentro do carro. Era bastante coisa.

Ela foi andando na frente com um andar duro que terminava de destruir seu coração. Ele atrás, ela não podia ver suas expressões, mas pareciam tranquilas.

Ao chegarem no apartamento por um segundo convesaram como se nada tivesse acontecido. No segundo seguinte ela pediu para que ele esperasse para que separasse suas coisas, em vão. Ponderou ainda em relação a luminária, essa mesmo ele não quis. Foi embora de mãos vazias. Antes pediu um abraço. Deu como se abraçasse um colega de empresa e recebeu o abraço do adeus. São coisas que só as mulheres percebem.

A jovem Bethânia chorou até esvaziar os olhos, os pulmões, o coração e a alma. Exorcisou todos os amores fracassados durante dois dias e duas noites. No fim deste processo foi tomada por uma raiva descomunal, que em vinte e quatro horas passou, ficou apenas a sensação do que pena que deu certo por tão pouco tempo. Em quatro dias tudo estava cicatrizado, o salto para fora do armário, o vestido florido passado sobre a cama...