domingo, 31 de outubro de 2010

Domingo

Queria que o tempo passasse. Acordou com uma vontade esquisita, sensações esquizofrênicas, um misto de melancolia, tristeza, alegria – na verdade essa alegria estava mais para “um agora vai dar certo”, o que daria certo é que não se fazia idéia. Ligou o rádio e tocava Joana Francesa do Chico, exatamente no verso geme de “prazer e de pavor/ vem moleque me dizer onde está”. Adorava essa música e, no resto de sol que restava no céu, como homenagem tirou a camisola e foi nua para o chuveiro. Sua mente clamava por algo inédito, logo não poderia ficar presa entre aquelas paredes. Abriu o chuveiro, quentíssimo, outro perderia a pele, ela não, já estava acostumada. Ao sair se arrumou como fosse encontrar o homem de sua vida, aquele príncipe encantado que as mulheres estupidamente esperam deixando assim os homens reais passarem desapercebidos. Pouco se importava com eles, antes só do que mal acompanhada – sempre dizia ela como um mantra na intenção de crer na sentença que sempre proferia. De vez em quando sucumbia aos encantos de algum homem qualquer, se apaixonava, sofria, se arrependia por ter amado, se recompunha e se fortificava. Ficava mais exigente, cada vez mais solitária, ficava só esperando o momento em que o outro fosse dar o passo em falso. Limitava-se apenas a dizer: Até que esse demorou. Ou então. Esse foi bem mais rápido que eu imaginava. Sentia saudade de algo que não sabia ao certo do que era, talvez de sua ingenuidade, quem sabe de sua leveza, das estrelas que moravam em seus olhos e de vez em quando fugiam para algum quadro de Van Gogh.

Estava pronta e preparava a bolsa, escutava as músicas, gostava mais das tristes, música que fala de alegria também são bonitas, mas via mais poesia na tristeza. Era uma de suas faces clichês, não se importava. Se olhou no espelho, retocou a maquiagem, respirou fundo. Bateu a porta, deu boa noite ao porteiro e seguiu.

Andou sem rumo e parou num shopping. Se decepcionou consigo mesma. Se almejava algo novo o último lugar que poderia ir seria um amontoado de lojas, restaurantes e cinemas. De qualquer modo como reza o dito popular está no inferno abraça o diabo! Entrou e entrou na livraria, lá escolheu um livro pela fotografia da capa, sentou num puff e deu sorte – o livro era ótimo. Colocou os fones de ouvido, e começou a devorar o livro, de vez em quando seus olhos passeavam pelo chão e viam uns pés passeando sem seus donos. O livro começou de forma violenta, uma amizade despedaçada por uma traição. Eram quatro amigos, dois casais que sempre fizeram absolutamente tudo juntos. Duas médicas e dois engenheiros moravam no mesmo prédio e tiveram um casal de filhos cada. Eis que um delas descobre que sua melhor amiga, quase seu apêndice tem um caso com seu marido há tempos. A mulher traída não pestanejou, se trancou em seu quarto com sua ex-melhor amiga e sua mais nova arqui-rival e lhe dá um surra fora do normal. A traíra deixa apanhar pois sabe que é merecedora de cada golpe. O livro é de um homem, com certeza nenhuma mulher escreveria tão bem tal cena, Maria Antônia até acha que aconteceu, um homem não teria capacidade de registrar com tal magnitude e perfeição a ira feminina. Qualquer mulher traída tem vontade de fazer a mesma coisa – seja com seu parceiro, seja com a outra, neste caso ambos, afinal a traição era dupla.

O segurança chega e a cutuca: Senhora, estamos fechando, a senhora vai realizar a compra? Não, não, volto outro dia e termino.

Não quis comprar por um motivo simples. Se continuasse a ler aquilo iria bater na porta de todos e tentaria dar-lhes uma surra. E claro, não conseguiria por razões óbvias. Se contentou a sentar na Starbucks e tomar um café gelado e comer um bolo de banana. Ficou lembrando do livro que de certa forma confirmava sua teoria que mais cedo ou mais tarde todo mundo estraga tudo, inclusive ela.