terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A pérola e o pescador

Foi exatamente assim que aconteceu.
Distraída, a garota fazia qualquer coisa importante no computador. Sabia que a sua frente havia um estranho conversando, entretanto, nem cogitou levantar a cabeça – decididamente não havia tempo a ser perdido. Só que todas as pessoas têm um daimón – serzinho tinhoso e birrento. Pois bem, o da garota apenas queria que ela levantasse os olhos. Para agradá-lo, o fez.
A sua frente havia um homem. A principio não achou nada, voltou os olhos para a tela. Mas o daimón se alvoroçou e ficou atraído pelo homem. Espichou o olhar algumas vezes, uma hora resolveu olhar de verdade, olhou fundo. Então o silêncio berrou. Vamos combinar, essa criatura é muito inconveniente, indiscreta. Ele berrou, se dividiu em dois, passou a morar nos olhos daquela dupla.
O grupo era maior, mas os três tinham uma ligação estranha. A garota com seus olhos grandes se divertia em sugar todas as possibilidades daquele homem. Ela não vira nada de concreto, mas sentia que a recíproca era verdadeira.
Um dia, não sei ao certo – creio que em uma terça-feira de um ano qualquer [no trabalho dessas criaturas a cronologia é um mero detalhe, moram em três séculos e passeiam por eles sem menor dificuldade]. Não se sabe também a razão pela qual o daimón do homem deu o ar de sua graça.
Em uma conversa inicialmente inofensiva [essas são as piores] foram se despindo de todos os véus necessários para uma boa convivência com o mundo.
- Eu sou muito intensa. Já fui pior, hoje sou mais polida.
- Eu também sou muito intenso, mas ainda não sei me controlar. Seu olhar é muito forte.
Nesse momento teve a certeza que o ouro já havia sido entregue ao bandido, tudo era uma questão de tempo.
À tarde foram visitados por Taunay, David e Klimt. Esse último meio perdido por aí, antes de sair disse que ela parecia com alguém que pintara e que havia fugido de uma de suas telas.
Eis que a noite chega e o filho nasce. Em meio a uma festa, nos basta cuidar com zelo. Os quadros já estão na parede. As pessoas riem, conversam... é o natural. Mas os dois as sós naquela sala se casaram, tiveram sua prole – tudo com os testemunhos de retratos do século retrasado.
Fora de lá foram escolhidos os nomes, mas o mais importante nem era isso. O Silêncio que morava semanas nos olhos de ambos resolveu avisá-los que seus respectivos daimones tinham desaparecido. O coitado foi ignorado.
Ele fitou-a e disse: Vou te pintar um dia. Você esse seu olhar forte. Ela respondeu com uma pergunta e com um pedido: Vai pintar meus olhos? Por quê? O quadro vai para a minha parede então. O homem: Porque eu gosto dos seus olhos. Eu vou querer um também.
Bom, o que interessa é que esses dois passaram toda a noite, toda a vida conversando, um dia valeu mais que anos. Só há um problema. Ignoraram o Silêncio quando este avisou que seus respectivos daimones estavam livres, vivendo a mercê de todos os tipos de pathós...

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Cartomante

Carmen entrou em seu carro totalmente atordoada, sabia que seu hábito de procurar obter previsões sobre o seu futuro lhe trariam problemas. E aquele trânsito de fim de ano na Lagoa piorava seu mau humor.

As palavras daquele homem iam e voltavam, e nos momentos de invervalo conseguia apenas se sentir traída pelo destino. Faltavam forças para chorar, queria um espelho para poder ver sua expressão de estarrecimetno, quase horror.

    • Você terminou recentemente um relacionamento? Com um homem, por conta de mulher?

    • Por que está me dizendo isso?

    • Está dando aqui... era para ele estar contigo, não com ela, por alguma razão isso não aconteceu...

    • E...?

    • Calma, deixa eu ver!

    • Uhum...

    • Feitiço!

    • Como?

    • Sim! Está aqui, ela fez feitiço. Tentou acabar com você. Te afastou dele e fechou seus caminhos amorosos.

    • Ok, muito obrigada. Quanto eu te devo?

    • Nada, moça, nada.

          Muda ela sai pálida e incrédula. Desce do prédio e entra no carro.

Jogada no sofá de casa, a quilômetros de distância daquele prédio num bairro da zona sul carioca, Carmen revirava as poucas lembranças que sobraram de Ricardo. Achou um livro que lhe dera em seu aniversário – artigos da Clarisse Linspector sobre questões femininas. Morreu de rir sozinha, odiava Clarrisse Linspector, ainda tratando de artigos femininos. Lembrou dos dias na praia com seu filho. Ela queria apenas entender onde tudo se perdera, onde aquele amor foi parar de uma hora para outra.

Depois de tanto tempo encontrou a resposta, resposta dita por um homem desconhecido. Tudo pura feitiçaria.

Era melhor cre nisso do que no fim do amor.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Arrumava a mala como um ritual de passagem, como se partisse para nunca mais voltar. Procurou seu creme de barbear preferido, olhou a validade – que estava vencida. Buscou pela sua blusa pólo cinza, e várias outras coisas, achou lembranças que estavam na bagunça do armário apertado. Ficou vulnerável, ainda mais pela época do ano... tinha o mau hábito de repassá-lo, sempre empacava em algum capítulo. Esse ano especialmente evitava fazê-lo, pois já sabia exatamente em que página ficaria dias a fio, aquela que evitava falar até mesmo com sua terapeuta: sua última namorada, Joana.

Arrumava a mala e pensava nos planos que fizeram juntos para a viagem que agora ia sozinho a trabalho. E ao tentar se achar em meio suas coisas encontrava fragmentos da mulher que amou. Fragmentos esses que mostravam o quão diversa era, característica que fazia Benício se apaixonar a cada minuto, amava todas as mulheres condensadas naquele furacão. Furacão que um dia olhou em seus olhos e colocou os pingos nos is dizendo de maneira melancólica “Desculpe, eu me enganei, eu não te amo.”. Nem ao menos disse adeus, ela nunca gostou de despedidas. Dela sobrou somente a toalha que desenrolou dos cabelos ao sair. A Benício coube apenas o silêncio, a falta de voz, a mente atordoada, a angústia de não tê-la segurado e dito todas as frases confusas que passavam por seu coração acelerado.

...

Ele se recuperou rápido, fingiu para todos que ele, homem viriu, cansou da mulher frágil e possessiva que vivia ao seu lado. Abafou toda e qualquer possibilidade de alguma outra mulher entrar em seu caminho, decidiu viver sozinho, pelo menos até aquele momento. A cada roupa posta na mala tinha o ímpeto de ligar para Joana e dizer “Estou indo a Blumenau, quer algo de lá?”, só para descobrir se ainda merecia uma resposta. Talvez não o fizesse por medo, medo de não obter resposta alguma ou pior ainda, medo de escutar“Sim quero! Traz para mim...” e simplesmente descobrir que Joana não era aquele furacão.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

...é bom acordar e ver o sol.
...melhor é conseguir sorrir de volta para ele.

Bom dia!